Sou fascinada pelo mar e por histórias de pescadores. Li e reli Hemingway. Considero o mar uma imensa igreja, cheia de peixes fiéis e ondas libertadoras. Quem um dia não acordou com uma vontade imensa de caminhar com pés descalços na areia da praia, sentindo aquela brisa fresca e abusada que deixa nossos corpos pegajosos e quentes.
Não são apenas lembranças boas que tenho do mar. Sábio o ditado popular que diz que nem sempre o mar está pra peixe. Na verdade, nem pra peixe e nem pra gente. O mar também tem suas ressacas. Só de lembrar que eu e meus dois irmãos, íamos sendo tragados pelas ondas rasteiras da exótica Porto, me vem uma sensação mista de pavor e alívio. Daquele dia em diante, nunca mais tomei banho de mar, porém, jamais perdi meu fascínio pelos corais. Me a flora a pele os doces mistérios das águas salgadas. O que não nos mata nos fortalece. Mandela deve adorar essa frase.
Não estive uma só vez em frente ao mar sem que não sentisse a presença de Deus. Chego em frente ao mar e logo vem a sensação de que eu deveria ser uma pessoa melhor comigo mesma e com os outros. Uma enxurrada de lembranças vem à tona. Como num trailer de cinema, que pode em poucos minutos resumir o enredo da história. Amores que se foram, verdades escancaradas, casos mal resolvidos, conquistas suadas, tudo, tudo.
Diante do mar, o velho e o novo se confudem. A gente fica mais íntimo de Deus e as nossas tradicionais preces saem de cena e dão lugar à palavras e pensamentos soltos. Em frente ao mar, todo ser humano é o que é. Nisso consiste a base do amor incondicional entre criador e criatura.
Eu adoro o mar. Adoro porque o mar consegue ser tudo, sendo um só. O mar consegue ser todos sendo ele mesmo. Usarei palavras de Paulo Coelho e Raul Seixas para dizer que o mar para mim é a mãe, o pai, o avô e o filho que ainda não veio. O mar é meu psiquiatra e meu pediatra. Diante do mar eu troco meu estado de normalidade pelo prazer de ser louca e infantil.
Entre o mar e eu, existe respeito. E entre o céu e o mar, de tudo há. De tudo acontece pelas mãos da raça humana. Confusa, fascinante, intrigante, desumana. Há os que não gostam de céu, nem de mar, nem de terra. Há os que não gostam de florestas, nem de animais, nem de seres humanos. Tem gente que não gosta de gente e acha que é gente. Diante da falta de amor pelas pessoas e pelo planeta, surgem os monstrinhos. Parecem normais e estão ao nosso redor, dentro de nossas casas, nossas escolas, nossas ruas. São pequenos assassinos do meio ambiente, quando sendo mais leve no uso das palavras, os chamamos de inconseqüentes.
Os monstrinhos poluem as praias com suas latinhas de cerveja e seus saquinhos de batatas, entopem os esgotos de suas cidades e ainda reclamam dos políticos quando a chuva chega sem avisar e quebra tudo. Os monstrinhos derrubam árvores e a fazem com a mesma frieza de como quando pela manhã escovamos os dentes. Os monstrinhos poluem, destroem, atrapalham, matam nossas riquezas naturais, matando a sí mesmo e não estando nem aí para nada. Para o ambientalista francês Jean-Michel Cousteau, proteger a água é proteger a si próprio. Você está certo, meu caro Cousteau. Você está poeticamente certo.
O mar anda triste, agitado, ressacado, estressado e ultimamente tem nos mandado recados. Recados bem pouco humorados. O mar está com ondas à flor da pele. Da nossa pele. Ai, ai, ai. Apesar de toda essa fúria louca, o mar e seus violentos tubarões brancos, orcas assassinas e tsunamis gigantes, como costumamos ver nas películas de Hollywood, ainda é bem mais seguro que nosso mar de vaidades. Nossos tubarões terrestres não tem dentões afiados, tem discursos afiados. A onda que invade nossas ruas e cidades não é de água, é de violência. Nosso congresso, em Brasília, é um verdadeiro Triângulo das Bermudas. Não sabemos quantos segredos contidos ali existem para que a gente não consiga ser uma nação decente. Diz a conhecida frase do poeta: Entre o céu e a terra existem mais mistérios do que imagina nossa vã filosofia. Concordo com você, Shakespeare. Mas eu ainda acho que entre o céu e Brasília, existem muitos mais.
Somos heróis marítimos. Sobrevivemos em meio à tsunamis de corrupção, mentiras e injustiças. Somos heróis assim mesmo. Em nossas pequenas flotilhas Garibaldinas, enfrentando verdadeiras esquadras de almirantes Brown’s. Viva Garibaldi! Viva Anita! Viva Colombo! Viva Torben Grael! Viva todos aqueles que amam e respeitam O mar. E lembrando a canção de Nando Reis: A gente que enfrenta o mal, quando a gente chega em frente ao mar, a gente se sente melhor.
Deixei de tomar banho de mar, mas não deixei de contemplá-lo. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Meu amor é daqueles que duram para sempre. Até que a morte de um de nós nos separe. Enquanto a morte não vem, eu fico aqui, meio assim, a ver navios.